por Marcia Valéria David (Marcia David Poeta)

15.8.20

 Invisíveis

O tempo se acumula

Onde há rugas

Rusgas de histórias intensas

Somas de anos que se fundem

Confundem a memória

Já não há mais dias

Estrias de corpos manchados

Não existe vazio

Tudo se preenche

Tudo se evapora

Tempo

Passado

Vivido

Vívido

Aonde vamos

Invisíveis


3.4.17

Corro pro Mar












e vamos navegando mar adentro
sem temer as ondas
sem se esquivar da chuva

deixando que velas leves
nos deem a direção
do vento, da correnteza, do céu

noite de estrelas
que guiam o seu olhar
pro meu caminho
pro nosso andar

estradas que se cruzam
corpos que se navegam
rotas de partida e de chegada
e de encontro ao luar

Fora de hora


eu gostei
do inesperado tema
a chuva

surpresa
fora de hora
passada a vida
ultrapassado o limite

não deu tempo do abrigo
nem de passos largos

só abri os braços
e permiti que corresse o corpo
revirasse os cabelos
me fechasse os olhos
e beijasse o rosto
a alma

Tempestade


a sangue frio
um arroubo, um arrebatamento
entrou aos tropeços
coração adentro

esbarrou em medos
tristes olhares
romantismos serenos

se apossou do sofá, da sala
da vasta mansidão do nada
ocupando tudo
preenchendo largos sorrisos bobos

dedilhando corda por corda
desse instrumento torto
cheio de notas dissonantes
compôs música, tocou pra mim
tocou em mim
e distante desejei ter além da melodia

A sangue frio
me veio como folhas na água
ventania espalhando brasa
ardendo, queimando
tirando o sossego

treinando a monotonia pra ser cor
cores, vasto, denso, tenso, leve

flor


30.3.17

Na Janela da Mente

Amanhã quando eu acordar
Me olha da janela
Traz contigo a flor mais bela
Pula e vem me dar

Conta como foi que a vida
Te inventou tão linda
E me fez sonhar

Joga seus cabelos-cachos
Por cima do rosto
Exalando o perfume
Que a memória vai deixar
Quando eu acordar

E se eu não te encontrar
Naquela tela
Que pintei tão cheia de cor

Vou lembrar da janela
Que se abriu pra ela
Lembrança contente
Do cabelo perfumado de flor

2.6.16

Impressões

Foto: Marilena Guimarães
Casa de Claude Monet
Giverny - França
Primavera - 2016
Me dê um riso
Me dê um aviso
Da sua chegada
Um pássaro levado ao vento
Que pousa na minha janela
Me dê um dia da sua Primavera
Me dê um dia de sol e de quimera
Rego as flores
Planto cor no quadro do pintor
Impressões nítidas da sua luz
Planto gosto na língua
De se deixar viver
De se deixar encantar em pétalas e asas
Voar não sai da minha cabeça
Me dê o céu
Me dê nuvens pra desbravar
Apago o breu
Te acendo em mim
Pra gente não se perder no escuro
A noite vai crescer em Lua
Cheia, imensa, amanhecendo em suor e vinho
Me dê um ninho
Eu guardo as asas
E fico bem mais
Em você

9.4.16

Asas ao Sol

Quando te olho sou menina
São as asas que me faltam
É o ar que não respiro
Avalanche de loucura em que me acho
E um pânico pueril do primeiro dia
Do primeiro beijo
Alegria esquisita de querer e não querer
Um temer sem se provar
Semear sem ter certeza do que brota
Quando você chega nada termina
Tudo é começo
Tudo é mar e brisa de primavera
Alto-relevo da sensação que não descrevo
Não me atrevo
Os pés que não se movem
A boca que não cala e se cala sem cessar
Quando você está eu permaneço
Quando você sorri
Esqueço que me faltam asas
E saio a voar

14.2.16

Indo

Tento grudar minha mão nas suas costas.
Num movimento torto de não te deixar ir.
Te vi sair tantas vezes que já não tenho certeza se volta.
Grudo minha mão nas suas costas enquanto você dorme.
E quando acorda, estão marcados em mim.
Dedos, unhas, pele...
Linhas acesas nos meus olhos.
É você de costas...
Ardendo nas minhas mãos.

21.9.15

Então

Sei que deveria escrever uma poesia.
Porque cabe mais sol nesse sorriso.
Há mais doçuras pra dividir e trocar quando te olho.
Eu sei que deveria dizer a coisa certa.
Mas nem certeza se tem quando o toque incendeia.
Eu sei que deveria haver uma canção no fundo da cena, mas eu só escutei sua mansidão.
O cinema vazio, o filme na tela, e só tinha uma pessoa ao meu lado.
Eu sei que deveria fazer rima, e versos simétricos e bem elaborados.
Mas quem pode com a inesperada calmaria do mar?
O vendaval na areia, e a mudança das dunas?
Não existe forma poética que me diga como será essa espera.
Do abraço que sonhei, do beijo que senti no ar, do emaranhado de borboletas revirando o estômago.
Coloridas, asas fazendo cócegas.
A vida já me encanta agora com sonetos perfeitos.
Quem sou eu pra inventar letra de música?

21.4.15


É que a inspiração se acumula.
E explode de repente.
Como a necessidade de regar a planta.
Chorar sorrindo.
Sorrir da gula.
Comer e engasgar.
Esfregar na cara. 
Todo doce. 
Todo açúcar. 
Todo mel.
Caramelizar a vida empapada de beijo.
Beijar, lamber, gozar.
Viver é doce. 
Só pode dar nisso


Sonhei

Foi uma viagem leve.
Daquelas que só acontecem em sonhos bons.
Caminhadas pro futuro.
Avião sobrevoando a minha cabeça.
Por favor, não comente.
Deixa que a intimidade do absurdo,
a cumplicidade do sonho nos esconda.
Foi um sonho bom.
Acordei sorrindo.
Acordei sonhando.
Acordei.
Bom dia.

28.3.15

Inútil

Eu sou o luxo da dor que deteriora a mente.
Cansativamente demente.
Repensando uniões inúteis.
Camaleão perdido na areia do tempo.
Deserto de tudo.
Feito mágica de sumir o corpo.
Corpo, queda, fútil, vazio, oco.
Tarde demais.

6.11.14

Flor de Casamento

E eu, que nunca fui santa, apareço com um terço na mão.
Dez Ave Maria, três Pai Nosso.
E uma vela pra Santo Antônio virado de cabeça pra baixo.
Casamenteiro fajuto que me deixou plantada no altar.

E eu, que nunca fui santa, de branco e flores na mão.
Pedindo ao santo das causas impossíveis, não me deixe chorar.
Quero um amor formoso, abastado, mas humilde, companheiro.
Não precisa ser santo como eu. Santidade não faz vista a ninguém

Quero mesmo é sacanagem. E que os santos não me ouçam.
Eu quero é me casar.


17.10.14

Lua Nua

Subo e desço da Lua.
Rodo e me enredo ao redor da sua rua.
E ela flutua no espelho.
E gira mundo.
Me leva junto.
Tudo num mergulho.
Face nua que não beijo.













(As surreais e oníricas ilustrações de Christian Schloe)


6.9.14

Duendes


Eles habitam minha casa.
Enganam minha vista.
Enfeitam o jardim onde plantei mudas de folhas carmim.
Doidivanas, tropeço nos seus pés. Nada colho.



2.9.14

Miserável?

E eu te amava tão gentilmente
Que me feriu a frase torta da tua triste insanidade.
O que era doce se acabou, sucumbiu,
perdido em álibis fúteis, gestos reticentes
e sentimentos frágeis, moribundos.
Antes de teres partido, queria ter amado ainda mais gentil, pueril..
Talvez tivesse evitado a porta se abrindo,
o vento seguindo, sacudindo
e derrubando folhas de outono num inverno bem frio.
Vi um eu sozinho. Querendo o sonho, querendo a vida.
E tua condição mais meiga foi a miserável promessa.
De nunca ser, nunca estar, nunca querer...
quem dera nunca mais voltar.
Me deixar livre.
Me deixar amar em outros jardins mais férteis,
mais floridos de cores e manhãs frescas, sem dores.
Eu que nem rimava,
agora peço notas de uma melodia calma,
bem luz, versos harmoniosos, um soneto de Camões.


28.8.14

Sempre o Mar

(Foto: Marcia David)







Te Gosto (Marcia David Poeta)

Olhei pela janela e vi do que são feitos seus olhos.
Um mar de esmeraldas.
Um labirinto que me prende.
Vejo a criança, vejo a mulher, vejo o homem.
Tenho a sua diversidade marcada em mim.
Fogo que me acalma. Sede que se agrava e não durmo.
Deste tempo que não tive.
Daqui pra diante, seja o tempo que for, nem é muita coisa.
E reinvento, pelo meu querer, crio, anuncio.
Tenho liberdade poética.
Eu te entendo, você me entende.
Rimos uma da outra.

25.8.14

Sonho Surreal


Algumas das coisas mais belas que vi,
Sonhava. Perfilada pelas frestas,
Angustiava. Não podia tocar.
Só sentia cheiro.
Brotava água da língua exposta.
E o gosto do que não tocava.













(As mulheres surreais de Oleg Oprisco - fotógrafo ucraniano)

Quando a imagem é poesia

(foto: Marcia David. Tirada do terraço do Botafogo Praia Shopping - 2013)

19.8.14

Afetos

Cortina, bordados, trama. Lembranças coloridas de afetos passados. 
Desafetos do medo. Uma luz que se acende, uma delas se apaga. 
Bolhas espocam no palco e a plateia de boca aberta. 
Novos pensamentos e sentimentos recém-nascidos. 
Tudo é novo. Tudo brota. Tudo caminha.






3.8.14

Atalho


Tomo uns atalhos pela vida,
Que quando parece que achei, perdi.
Desvio dilacerado do mundo.
Agruras do amor que me arrebatam de mim



20.7.14



Teimosia.
É o prato do dia.
Quente, ralo.
Quem diria...
É o que resta.
E o mundo, o seu mundo,
Pra que presta?


15.7.14

Febre Surreal


Um sonho tão real que me queimou a pele.

Abriu portas e janelas.

Uma ventania insana

Acalmando minha febre.

pinturas surreais de Kylli Sparre feitas com fotos


16.6.14

Multicolorida














Tome nota de uma coisa.
Não criei as regras.
Não inventei um passado. Ninguém nasce desse jeito.

Escute bem, pois só vai ouvir uma vez.
O que me agride é o que te mata.
O que me ofende é o que te fere.

Eu renasço sempre que escolho.
Sempre que quero.
E quero hoje vida.
Arejada, multicor.

Sem silêncios indecisos.
Sem escolhas mal feitas.
Sem dúvidas, sem culpa.

A vida é minha orelha,
meu nariz.

11.6.14

Covardia







É a flor que não brota.
O sol por trás das nuvens.
Um rio sem veias, sem destino.

Covardia.
Um caminho sem volta.
Um dedilhar sem cordas.
Um tocar sem arrepios.

Covardia.
Mania de quem chora.

Lamenta e se esconde.
É o passar lá longe.
Sem olhar para o lado.
Sem respirar o perfume.

Covarde é alguém que não se deu.
Achando que se dar seria em vão.

Covardia é um coração que não bate.
Rebeldia que teima em não se deixar doer.
Não se permite cortar a pele.

Rasgar, gritar, adormecer.

E um covarde nunca lambe a própria ferida.
Nunca cultiva um jardim.
Não vê borboletas.
Não caça joaninhas.

Conta, medida, régua.
Estanque. Economiza até quando beija.

É frio, carcomido, doente.
Não te alisa, não te abraça.

Perde o melhor do dia.

A poesia de perder.
Recomeçar.
Ser outro, remoçado e louco.

26.5.14

A mesma poesia magra 
Que ela cantava. 
Dia, noite, tarda. 
E ela amava, atrelada ao chão. 
E eu não piso, alço em vôo, navego, 
Me derramo por nada. 

 ARTE: Thomas Barbey



2.3.14

Ideal

Sabe o que eu queria?
Te conhecer há mil anos. Recordar o que já sei.
Te reconhecer na rua e chamar por você.
Eu queria sentir seu cheiro mesmo quando você não está,
por estar na memória da saudade.
Aproveitar o espaço na cama pra saber que ali você vai estar.
Como já esteve.
Aguardar as horas que restam sem restar dúvida de que você vai chegar.
E saber que mesmo chegando vou sentir saudade
por saber que daqui pra mais tarde você vai a outro lugar.
Embrulhar seus sonhos pra presente e entregar na porta do seu dia.
Toda manhã te acordar sorrindo.
E lembrar do sorriso de resposta de ser feliz por estar,
apenas estar dentro de mim.



4.2.14

Palavra

é bem ali que moro.
nas curvas, pontos, aberrações de sentidos.
em linhas, oblíquas, retilíneas,
em voltas e vice-versa.
é sempre assim que me escondo.
entre pontos, vírgulas e parênteses.
reticente que vive e pensa
em pequenas palavras.
em versos breves.
na frase seguinte me sinto viva.
afagada pela língua do tempo.
é bem desse jeito que me movo.
enfeito páginas, rodapés e crepúsculos.
e quando me guardo,
me fecho no escuro do ócio.
revirada, destemida e largada.
na ponta da tinta,
sutil rabisco da dor.




6.1.14

Fotógrafo[go]


As fotografias me inspiram.
Guardam o momento propício da chama.
As imagens me liberam desse vício de me repetir.
Me acendem os olhos.
Arrumam a cama.
 
 

Verão Que [P]assa

É desse calor que me alimento.
Pele que arde, sal que invade.
É desse suor que me encharco.
Derrete, escorre e afoga.
Promessa de vento. Quente.
Temporal. Inunda, arremessa em brisa morna.
É isso que me segue. Tudo ferve.
Forno. Fogo. Fogueira.
Brasa, sopro e cinza.
E refaço.




21.12.13

Viuvez


que gosto tem olhar o tempo?
e admirar a distância entre querer e ter?
é um procurar em mim que não chega.
um rodear o véu que te esconde.
que gosto tem encontrar a saída?
debochar da vida, da certeza,
nem tudo está perdido.
ainda tenho os talvez, os porquês...
a viuvez dos sonhos.
e um emaranhado estranho.
sentir.



9.11.13

Volto ao Mar



Nem gosto tanto assim do mar.
Mas fico a admirar suas filhas.
Ele as deixa soltas. 
E elas vêm e vão só pra me agradar.
Sabem que eu gosto de olhar.
Tanto que me perco. 
E então viajo. 
Num barco branquinho, que balança bem devagar.
Também queria ser filha do mar.
Por isso mergulho. 
E esqueço-me do tempo.
O vento acorda os sonhos.
E eu volto a navegar.   

18.10.13

Confortável

Do meu sofá vejo mundos improváveis.
Amarguras, frescuras e afins.
Aperto botões para mudar o rumo.
Mudar o tom, o som, a vida.
Pés na mesa, dias de preguiça
e notícias da rua.
De longe. Assim está bom.
De muito perto posso cortar os dedos.
Machucar a alma. Causar traumas.
E isso não convém.
Descer o elevador ou andar de trem.
Lotação esgotada.
Tumulto à vista.
Prefiro o meu sofá com desdém.


2.10.13

Olhar

E se o que vejo são olhos de mistério?
Delírio, dança e desejo. 
E se sou poeta posso ver mais distante.
Água da sua fonte. 
Olhar de longe o que sinto tão dentro.
Avesso, reverso, intenso. 
Não repara no seu nome?
Busca na tela do artista 
O retrato do que seja.
Sentidos, semblantes, sentimentos.
Flutuo na sua íris. 
Afundo no horizonte antes de dormir.
Olhar em direção diversa.
Me segue, cerca e abraça.
Me cega.




25.9.13

Sutil

À noite fico encantada
com suas sombras.
Deslizam pelo quarto,
pelos meus cabelos.
Olho de lado e percebo
sua boca.
Olho adiante e te vejo
sair detrás das cortinas.
Lilás, pelo vento, ardil.

23.9.13

Barco


E se eu sentar no seu barco nua da vida,
Esfrega no meu rosto a sua pele salgada.
Não me atire n'água. Não me afogue os beijos.
Me deixa adernar. Balançar de enjôo.
Prometo te observar com olhos de maré.
Navega por mim. Me leva daqui.


2.9.13


De novo recolho os pedaços.
Agora mais partes de mim.
Guardo o que poderíamos ter sido.
O que já fomos e os sorrisos.
Transformo tudo num sonho adormecido.
Que nunca será.
Nunca acordará.



Diferente


Não quero me esconder na sua casa.
Quero ser parte do mundo.
Não há o que me tenha com mais ardor
Do que vida de sorrir e sonhar.
Me encantar com os olhos de boneca que me refletem num brilho. 
Um relâmpago. 
Um trovão nos meus braços. 
De prazer e amor.
O que não esqueço?
Não esqueço.
Nunca passou.
Ficou guardado.
Aos pedaços.
Quebrado. 
Você por inteiro dentro de mim.



27.7.13


Tudo entra pela boca,
pernas, ombros, braços e deleite.

Entope a alma de gozo.
E o corpo, o teu enfeite.



12.7.13















Então, que o tempo vai devolvendo tudo que te tomaram.
Vai abrindo caminhos nunca imaginados.
E quando menos espera, se está vivo, amando e sendo amado.
Rezando um credo de anjos.
Aqueles que colocam na sua porta.
Basta abrir e respirar. Fechar os olhos e imaginar.
E tudo surge. Tudo renasce. Enfim, tudo é VIDA!


6.7.13

Raiou


Descobri que sou a tempestade.
E também a brisa.
A minha própria condição de andar.
Solta nessa vida que não basta.
Pano que desgasta, feito nuvem ao vento.
Bordado, lavado, desbotado.
Mas ainda sei quem sou.
Aonde piso e porque vou.



4.7.13

Rayar...


Caminha comigo?
Me deixa pisar nessas folhas secas.
Me deixa voar.
Fica do meu lado, enquanto eu escolho um caminho.
Um atalho. Um viés.
Qualquer trilha que me leve daqui.
Não me faça refém.
Só segue comigo.
Molhando os pés, ardendo ao Sol.
Me deixa abraçar a árvore, correr por aí.
Perseguir raios, trovões, vendavais.
Eu sou a tempestade
Seja a minha brisa. Na varanda.
Dias mansos de preguiça.